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Tudo se Desmorona - When Things Fall Apart

Updated: Apr 3, 2021



Cânones Compassos e Esquadros, quando nos esquecemos dos valores fundamentais, e não disciplinamos o que se nos apresenta e porque somos apenas humanos as coisas começam a cair por si mesmas. Chinua Achebe escreveu em 1958, “Things fall apart”, romance acerca do colonialismo na perspectiva Africana, traduzido do Inglês para “Quando as Coisas caem à parte” ou “Tudo se desmorona” onde retrata a sua visão do colonialismo europeu em Africa. Publicado há 63 anos por Heinemann em Londres, o livro “Tudo se desmorona”, vendeu mais de 10 milhões de cópias e foi traduzido para mais de 50 idiomas.

O romance retrata a história de Okonkwo, um renomado guerreiro de uma aldeia fictícia Igbo no início do século XX na Nigéria oriental. Em prosa direta e evocativa, Achebe descreve como uma sociedade culturalmente rica e bem governada é desestabilizada pela chegada de missionários cristãos e colonialistas britânicos. Okonkwo é um herói defeituoso, mas as suas tentativas de confrontar as forças que transformam sua aldeia falam de uma longa história de resistência anti-colonial. O romance foi mal-entendido no Ocidente, tanto porque é considerado pouco preciso ao afrontar uma certa visão do colonialismo explorada em Joseph Conrad com o seu “Heart of Darkness”, no Coração das Trevas, onde o mundo africano espelho “o horror” da alteridade aos olhos dos Ocidentais, como também por usar o inglês como forma de difundir a Literatura Africana no mundo, afirmando-a através do poder da comunicação, o que é igualmente inaceitável para o Império Britânico.

Tudo se desmorona” é um romance que se centra no colonialismo, e a partir dele na perspectiva do poder, põe a nu a essência do colonialismo que é a mesma do globalismo, do comunismo e das revoluções industriais sucessivas, a luta pelo poder e a incapacidade de o libertar. Longe de querer centrar esta prancha apenas no colonialismo, este é todavia, um excelente ponto de partida, para perceber a natureza do poder e refletir na razão, porque após quatro revoluções industriais sucessivas, continuamos a não perceber a falha essencial da primeira, o fim da matéria prima e a necessidade de mudança de paradigma.

Toda a nossa sociedade desde 1778 assenta numa ideia de freios e contrapesos, “checks and balances”, divisão de poder, liberdade, igualdade e fraternidade. A construção deveria manter os poderes devidos e em vigilância, dividindo o poder e impedindo que o mesmo se tornasse absoluto, o que poderia continuar a funcionar se fossem perspetivados na sua natureza mutacional e se fossem regulados outros poderes como a imprensa e a banca.

O problema com o paradigma inicial é que nunca foi mudado, tal como a natureza essencialmente utilitarista da nossa cultura social. Stuart Mill tentou com o seu “On Liberty” alertar que era um risco não ter uma moral social, que o utilitarismo puro de Bentham trazia riscos graves, como Franklin D. Roosvelt tentou regular a reserva federal após o colapso social norte-americano de 1929, tão bem descrito nas “Grapes of Wrath”, “Vinhas da Ira” de John Steinbeck, como igualmente o inventor Nikolas Tesla procurou criar energia limpa a partir da eletricidade, que impedia os Tycoons ou Barões da Borracha norte-americanos de fazerem a sua fortuna a custa dos combustíveis fosseis.

Marx disse que “o ocidente se iria enforcar com as próprias cordas” apenas ignorava que o seu vaticínio se aplicava ao mundo, porque tal como Chinua Achebe nos mostra o problema é mais profundo e extenso que à partida podemos pensar, não é uma questão de cultura ocidental é uma questão moral de toda a humanidade. A china comunista ou a India pós-colonial tem o mesmo problema que o ocidente industrializado, o problema essencial, o erro inicial do sistema é a relação de poder e a relação com o poder. O poder deve servir e não servir-se, deve servir aqueles que depositam a sua confiança nele, deve prover para que se desenvolvam os valores intrínsecos do ser humano que é o único antidoto ao poder absoluto, a nossa capacidade de desenvolver a nossa missão pessoal e colectiva.

Não estamos perante uma questão de luta de classes, ou estando temos que a ver de uma perspectiva mais global, considero extremamente interessante a visão de José Saramago, na sua obra “Caim” quando transporta a luta de classes para o Paraíso e transforma o Éden numa Fábrica onde o criador é o patrão que se recusa a partilhar poder com os seus trabalhadores Adão e Eva, o que nos converte a todos por força do pecado original, em proletários expulsos da Fábrica, sem direito a qualquer indemnização por cessação do contrato de trabalho até porque fomos despedidos por justa causa após processo disciplinar por roubar maçãs.

Se o pecado original se encontra na luta de classes, na luta para obtenção de poder próprio pela escolha de um destino determinado pelo desejo de algo que não nos pertence, sem dúvida que a independência que Adão e Eva procuravam, era apenas exercer o livre arbítrio. Em face de uma missão pré-determinada por Deus, eles escolheram erradamente ao não se conformarem com ela, de certo modo eles ousaram ter poder e ser poder, e foram expulsos porque queriam governar aquele jardim.

Também não restam dúvidas que o racismo é sobretudo de natureza social e não rácica, se aliás pensarmos que quando visitamos como ocidentais a China ou a Coreia do Norte, e desse modo nos encontramos despojados do nosso “poder” natural, sofremos de racismo por força do poder ser encontrar concentrado nas mãos do Estado Chinês naturalmente avesso ao Ocidente, mas o mesmo se poderá dizer que acontece no Irão relativamente aos Cristãos e a questão tem que ver mais com poder do que com pele, ou religião porque ele inverte-se consoante o poder muda de mãos, o problema é que o poder radica no medo. O medo de o perder motiva as maiores irracionalidades, como ignorar os factos já demonstrados, que o jardim confiado por Deus se encontra esgotado, todas as matérias primas necessárias não chegam, esta praticamente esgotado o combustível que permitia que o progresso continuasse do mesmo modo nos próximos dez anos, porque o modelo é finito, essencialmente porque é necessária adaptação por transformação e esta implica sair da zona de conforto.

Não é uma questão ocidental é uma questão moral, se não mudamos os nossos hábitos seremos como uma rã. O dilema das rãs numa panela é quando saltar fora, como ela não enfrenta o seu problema e se vai acomodando quando quer saltar fora já é tarde e acaba cozida na panela, sem reação, é isso que estamos a fazer a nós mesmos, alegremente caminhamos para o suicídio coletivo, agarrados a redes sociais onde apenas procuramos aprovação, inconscientes que existe um trabalho a fazer e que não adianta ficar alegremente à espera que a solução nos caia no regaço. É preciso procurar novos sentidos, regular o que não foi regulado e mudar a perspetiva a partir de cima ou não haverá amanhã.

O problema essencial tem de ser resolvido pelo desenvolvimento de valores intrínsecos e a aceitação que a mesma solução já foi tentada por mais de quatro vezes, a essência do pecado original não era livre arbítrio e poder, era capacidade de sobrevivência, antes de rebelar contra a estrutura do mundo seria importante estuda-la em profundidade, compreender a sua natureza geométrica, perceber que o que acontece dentro de nós acontece no coletivo que formamos, que é essencial mudar o rumo, como foi feito no passado e isso implica deixar de procurar soluções onde as lições da história já ensinaram o que falhou, nem sempre é possível crescer continuamente, há que aceitar perder poder, desenvolvendo valores intrínsecos.

Existem áreas que foram sempre negligenciadas por intenção prévia de controle, apostar na educação universal levaria ao fim da escravatura, mas o fim das classes implicaria que todos seriam escravos ou todos seriam livres, esse paradoxo não podia ser aceite, quem tem poder absoluto não aceita perde-lo, por isso mantemos há mais de 200 anos essa dicotomia política de esquerda e direita. O princípio essencial da democracia dos modernos é precisamente limitar o poder pelo mandato, o poder é dado para desenvolver os valores intrínsecos num período de tempo e depois esse poder é devolvido. Para viver em democracia é essencial saber devolver, saber sair, saber mudar e saber adaptar-se.

Para que isso aconteça tem que existir um caminho depois de deixar o poder, esse deve ser o caminho que o Ocidente precisa urgentemente adoptar, quando se abdica conscientemente de algo, e aqui não falo de desistir, falo de saber o momento certo para dar lugar ao seguinte, transformar paradigmas, fazer reforma em vez de rutura violenta, saber que é necessário olhar para o meio onde vivemos, tratar da natureza, respeitar a alteridade e as minorias, podemos chamar-lhe revolução mas será sempre a partir do que existe, mudando essencialmente a relação com o outro, com o que é diferente respeitando-o mas não perdendo a voz, estar com o outro sem ser preciso destruir para criar, mas antes respeitar o que já existe para desenvolver o que está esquecido, que precisamos uns dos outros para progredir.

É inegável que uma cultura baseada no consumo desenfreado sem massa critica, onde vale tudo em nome de uma pretensa liberdade de expressão, deturpa e reduz o papel da imprensa tradicional e cria o modelo de informação das redes sociais onde imperam a libertinagem de expressão, onde se reforça um mercado mais libertino que livre, que usa os nossos dados pessoais sem autorização, onde os factos não interessam desde que sirvam o populismo, onde estamos perigosamente próximos do ponto de rutura com a realidade, em troco de validação que mantenha o entretenimento das mesmas massas.

O último ano pesou na vida de todos, particularmente fui encostado às cordas a muitos níveis, o que me fez dar valor a vida, ou tempo de vida, que é um recurso também ele esgotável, e isso fez-me refletir e meditar sobre o rumo a tomar, porque se não resta mais um lustro para mudar, porque se não contar viver mais de cinco anos, isso implica tirar o máximo de partido do tempo que resta, para realizar o impossível e para isso há que aceitar os factos como são e fazer diferente, não compactuar com ilusões.

Há pelo menos duas décadas que o nosso país não cresce, o mundo não está melhor, depois da crise das dívidas soberanas de 2008 a 2014, seguiu-se novo período de incerteza que dura desde pelo menos 2019 e não sabemos quando terminará, prevendo-se uma quebra nunca vista na economia real do pais. A pretensa economia verde padece dos mesmos males que a economia cinzenta que nos tem governado, basta ver o estrago nos países de onde provem as matérias primas para as baterias dos veículos a eletricidade. A questão não está em produzir verde, a questão está em deixar de produzir, abandonar o modelo de exploração que marca a revolução industrial, o planeta não aguenta mais um lustro de exploração de recursos e mineração de poluição das águas e de desflorestação, não é possível continuar um caminho que já se mostrou insuficiente e incapaz de nos permitir a sobrevivência neste planeta.

Tudo é feito para não magoar interesses instalados, tudo é feito para manter uma aparente paz podre, onde sabemos que está tudo errado mas tal como a rã vamos ficando quentinhos até sucumbir, as elites sabem disto julgando sobreviver ao diluvio, pois qual distopia Orweliana mantem-se no poder, transformando a verdade em mentira e mantendo o poder nas mãos de um grande irmão, que já destinou a morte de mais de metade da população como forma salvífica para manter a mesma relação de poder ou de dependência com o capital. As cordas de que falava Marx as cordas da liberdade, são afinal as cordas da forca, é como se assistíssemos ao fim da Civilização, o “Apocalipto” que Mel Gibson nos trouxe num filme homónimo, onde os sacerdotes imolam a população a um Deus menor, a sua própria dependência, que leva à decadência final da sua civilização, uma excelente metáfora para o momento actual da humanidade.

Tal como na obra de Tolkien, em “O senhor dos Anéis”, uma novela de fantasia onde metaforicamente nos é narrada a história de um sistema de poder num mundo de fantasia composto por vários reinos, onde todas as várias raças desse plano, convivem e partilham o poder através do significado que dão realidade e onde os reinos se mantem em paz devido à partilha dos seus valores intrínsecos através dos anéis e do seu significado, mas onde o adversário cria um anel final para reger todos os outros, onde colocou toda a sua malicia e crueldade, ou seja, o símbolo poder absoluto, hoje somos confrontados com a mesma ameaça.

A História de Tolkien, gira em volta da luta dos que se opõem ao poder absoluto, no final triunfam os valores intrínsecos, a bondade que se estabelece entre a irmandade do anel, que apenas vence porque os mais modestos destroem esse mesmo poder absoluto, atirando o anel para as fornalhas do inferno de onde veio. Sempre preferi esta distopia à de 1984, não porque seja menos sombria, mas porque nos deixa um resto de esperança e fé, pois mesmo num mundo condenado, é possível lutar.

Vivemos num mundo onde existem poderes à solta, “o anel um” governa o poder económico e o poder da imprensa, através deles mantem-se a humanidade cativa, esgotando todos os recursos deste planeta, à nossa escala assistimos à desflorestação e matanças que passam incólumes, projetos de exploração de lítio e de petróleo, no interior do pais e no algarve respetivamente, o povo passa fome por força de uma pandemia que nos tirou os empregos, a solidariedade europeia é escassa, no ano que foi da conclusão do Brexit, é preciso mudar, mas não iremos mudar enquanto as Leis não mudarem, porque o que foi feito ainda é muito pouco, porque ainda não deixamos o anel cair.

Enquanto quisermos continuar a manter a ganância como norte iremos morrer como a rã, a ganância não é boa, mata, produz a fome, a guerra e a destruição da humanidade, estamos em transformação, resta-nos saber como sair dela, perecendo numa ideia de poder absoluto ou evoluindo para uma lógica de poder partilhado e desenvolvimento de outro equilíbrio, onde as Leis limitem o poder da banca e da imprensa, que sejam livres mas não libertinas.

Intervir no nosso círculo, alterar o sentido e o rumo aparentemente pré-estabelecido, procurar furar a representatividade existente, ter voz e usar bem o sentido de voto, é o modo como cada um pode alterar o rumo, trazer a morte, qual arcano XIII do tarot, que significa transformação, traze-la ao aparentemente desenhado destino e mesmo que não exista amanhã, exista a certeza de cumprir a missão, trabalhando a pedra bruta com fé.


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